11.28.2005

Todos têm o seu preço!

Vicente Jorge Silva na sua crónica de sábado no Diário de Notícias descreve da melhor forma possível o seguidismo que se vive. E como sempre, não será de esperar que este unanimismo súbito não tenha um preço.



Missas
“Bastaram duas missas para converter os incrédulos. Na primeira celebrou-se o aeroporto da Ota, na segunda o Plano Tecnológico. Os chamados agentes económicos que, na sua grande maioria, pareciam rebeldes e sem fé perante os anúncios miraculosos do Governo, acabaram rendidos às evidências. Muitos dos que, na véspera, consideravam a Ota um disparate ou, pelo menos, uma extravagância deslocada no tempo e nas prioridades da política de austeridade, confessaram-se convencidos pela argumentação litúrgica dos relatórios bancários e dos experts internacionais. Sobre o Plano Tecnológico, apesar dos acidentes de percurso - com a demissão do coorde- nador inicial e os conflitos inter-governamentais em relação às opções tomadas no documento-base - o milagre não foi menor bastou que o primeiro-ministro tivesse chamado a si a condução futura do processo, desautorizando o inepto ministro da Economia, para que todas as reservas e objecções se tornassem praticamente irrelevantes.
Em menos de uma semana, o que parecia péssimo tornou-se, pelo menos na aparência, quase óptimo. Fez-se uma revisão apressada mas cirúrgica da cópia apresentada, mudaram-se algumas alíneas e conclusões - e o milagre aconteceu. Uma equipa de dezenas de notáveis - os quais alguns que haviam confessado desconhecer a versão anterior do Plano - apareceu a apadrinhar o acompanhamento do processo. Com um golpe fulminante, Sócrates matou dois coelhos de uma cajadada e reduziu à cumplicidade e ao silêncio o coro de hostilidades sobre as propostas emblemáticas do Governo. Até os jornalistas ficaram sem fôlego para questionar tantos mistérios.
Confirma-se assim que as relações entre o poder político e o poder económico em Portugal dependem muito, para além dos conflitos de interesses, das conexões "virtuosas" entre os dois poderes. Bastaram duas missas para operar autênticos milagres.


Vicente Jorge Silva (DN, 26 de Novembro de 2005)”


http://dn.sapo.pt/2005/11/26/opiniao/missas.html

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