10.31.2005
Opinião
“Já se percebeu que os argumentos do passado para legitimar uma candidatura presidencial funcionam contra quem insiste em invocá-los. É sobretudo isso que ameaça comprometer irremediavelmente a passagem de Mário Soares à segunda volta, no caso de Cavaco não ganhar logo à primeira. E que o sujeita, mas também ao PS, à humilhação de ficar atrás de Manuel Alegre. Se nunca foram evidentes as razões que levaram Soares a recandidatar- -se à presidência, tentando um remake anacrónico da sua passagem por Belém, o equívoco tornou-se agora indisfarçável. Entre o desejo secreto de Soares, os cálculos tortuosos do PS, as ilusões alimentadas pela orfandade da velha corte soarista e dos conversos provenientes da candidatura de Zenha e do eanismo, criou-se uma rede de cumplicidades sem outro cimento que o da nostalgia de um tempo irrepetível. Um tempo fora do tempo e onde, forçosamente, a nostalgia já não é o que era. Da nostalgia antifascista resta hoje um cerimonial kitsch em que a legitimidade presidencial continua a ser encarada como um monopólio exclusivo da esquerda. Desse ponto de vista, só a esquerda asseguraria a normalidade democrática e a estabilidade das instituições, património ameaçado pela eleição de um Presidente de direita ou sem galardões lustrosos de antifascismo. Ora, o esgotamento desta retórica passadista não só favorece o campo que se propõe combater como lhe concede o privilégio de não correr quaisquer riscos na batalha. Daí, também, o unanimismo indigesto que rodeia a candidatura de Cavaco (e que roça por vezes a indecência), dispensando-o de ousadias que soem de forma menos maviosa aos ouvidos dos que o escutam em êxtase. E quando o director de um jornal de referência, onde seria suposto vigorar ainda algum espírito crítico e de imparcialidade editorial, saúda o "Cavaco Vintage 2005", é de temer o efeito da embriaguez.”
Vicente Jorge Silva in
Diário de Notícias, 30 de Outubro de 2005
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