10.01.2005

O País ao Espelho


José Manuel Fernandes

"Quatro eleições vão mostrar-nos se o problema está mais nos políticos ou nos portugueses que os elegem
As sondagens parecem não deixar lugar para muitas dúvidas. Com a excepção de Isaltino Morais em Oeiras, os candidatos independentes mais controversos parecem ter as vitórias asseguradas, por vezes por maiorias esmagadoras. Valentim Loureiro será reconduzido em Gondomar, Fátima Felgueiras em Felgueiras e Amarante deverá acolher de braços abertos o ainda presidente da câmara de Marcos de Canaveses, Ferreira Torres. Se tal se confirmar, isso dirá muito sobre o país que somos - e sobre o povo que o habita.Quinta-feira, num interessante e informado artigo sobre Portugal, Matthew Kaminski, director das páginas de opinião do The Wall Street Journal Europe, relatava a experiência do seu regresso a Portugal 15 anos depois de uma primeira visita. Significativamente intitulado "Os latinos tristes", o artigo relatava o seu encontro com um país hoje muito diferente e uma Lisboa mais agradável, bem tratada e aparentemente próspera do que a maioria das capitais europeias. Só que... só que temos os problemas que conhecemos na economia por termos crescido sem "aumentar a produtividade ou construir as fundações do desenvolvimento futuro", ao mesmo tempo que o Estado engordava e todos se endividavam porque, como referia citando um antigo ministro das Finanças, "gastamos como alemães mas produzimos como os marroquinos".A mensagem central desse artigo estava contudo no seu último parágrafo, onde o autor dizia acreditar que, apostando no turismo, nos serviços e em sectores como a cortiça ou a indústria de moldes, o nosso país pode encontrar formas de competir num mundo globalizado. Com uma condição: "Ninguém, a não ser os próprios portugueses, são capazes de fazer com que isso aconteça." Ora esses portugueses no dia 9 não vão apenas votar para escolher os seus autarcas, manifestando-se de forma indirecta a favor ou contra as políticas governamentais ou decidindo quem dominará a Associação Nacional de Municípios. Vão também estar a olhar para quatro municípios para perceber até que ponto no país onde vivem há ou não muita gente disposta a esquecer valores essenciais e a beneficiar os infractores em nome de estreitos egoísmos locais. Basta recordar que em Felgueiras concorre uma senhora que é acusada de corrupção passiva, de abuso de poder e de peculato e que andou dois anos e meio fugida à justiça no Brasil; em Amarante um senhor que já foi condenado em tribunal (recorreu), protagoniza cenas tristes nos campos de futebol e até agora dirigia um concelho com alguns dos piores índices de qualidade de vida do país; em Gondomar alguém que é conhecido pela sua grosseria e é suspeito em processos de corrupção no futebol; e em Oeiras quem foi capaz de acumular gordas contas bancárias na Suíça recebendo apenas o seu ordenado de presidente da Câmara e não possuindo fortuna anterior.Num país com uma cultura de seriedade e honradez, nenhuma dessas figuras teria hipóteses, até porque a simples vergonha impedi-las-ia de se candidatarem. Mas num país de esquemas e salve-se quem puder, o que se passar nesses concelhos mostrará o que somos lá no fundo, pois estes concelhos são também uma amostra do país: uns são rurais, outros urbanos; nuns habita sobretudo gente humilde e pouco instruída, um é daqueles onde o nível de rendimento e instrução é mais elevado; uns têm indústria, outros serviços, outros agricultura. É por isso que Portugal e os portugueses vão neles ver-se ao espelho e ficar a conhecer-se melhor. O que é importante: um país é aquilo que o seu povo for e o seu sucesso depende da cultura e dos valores desse povo. Suspeito é que não vamos gostar de nos ver a este espelho."

Público, 1 de Outubro de 2005

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